segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pais e filhos desta nação

O pai era um importante magistrado, um ministro do STF, causava orgulho ao filho ver a foto do pai nos jornais, cenas nos telejornais mais assistidos, e ouvir de todos sobre o importante papel do papai no cenário nacional, ainda mais agora que ele chegava ao topo da carreira.
Quando o pai chegava em casa vindo de Brasília era uma alegria só, o maior herói que o filho já tinha visto morava em sua casa, e ainda por cima era seu paizão, nada mais gostoso do que poder se gabar na escola junto a turma.
O pai via que seu filho era uma alegria só e contava muitos casos em que estava envolvido e fazia gosto em mostrar sua relevância a fim de inflar a auto estima do guri.
Até que um dia chegou ao tribunal do papai um caso complicado, famoso no país inteiro e com repercussão mundial, esse caso envolvia amigos pessoais deste papai. Esses amigos tinham se envolvido num grande escândalo de corrupção política junto com alguns banqueiros e publicitários.
Mas a maior dor de cabeça era que esses amigos não eram apenas amigos com desvio de conduta, eram bons companheiros, que tinham ajudado, e muito, o papai a chegar ao topo da magistratura.
Naqueles dias o filho via seu pai chegar com um semblante carregado, e o filho preocupado, perguntava ao pai - O que estava acontecendo?
- Nada não meu filho, problemas no trabalho do papai, estão acusando uns companheiros antigos do papai de um crime e preciso ajudar no julgamento - dizia o pai.
- Mas papai, o que eles fizeram?
- A princípio nada que eu acredite que possa ser provado contra eles. Mas houve uma denúncia que esteve em todos os jornais do país e muitos acreditam que eles fizeram coisas erradas. Não se preocupe tudo acabará em breve e o papai te leva comer uma pizza para comemorar!
O guri acreditava em seu herói, um verdadeiro ninja que tinha seu uniforme preto de trabalho, e afinal esse herói era o seu bastião da verdade e seu modelo de vida.
O tempo passou, o julgamento havia chegado ao final daquela etapa, e as condenações, ou absolvições, foram decididas. E aqueles dias não foram muito alegres em casa. O resultado não havia sido conforme papai esperava e ainda por cima ele havia brigado com o colega de trabalho que comandava o julgamento. As conversas em casa estavam carregadas de tensão. O filho havia visto muitas criticas ao pai sendo publicadas e as brigas estavam sendo repetidas em todos os telejornais. O guri andava triste, pois muitos amiguinhos da escola estavam caçoando dele e por vezes chegavam a hostiliza-lo.
- Mas pai, porque o senhor brigou com seu colega? Estão todos na escola caçoando de mim, dizendo que o senhor é um vendido, amigo dos acusados, e que tenta protege-los enquanto a maioria de seus colegas estão contra o que o senhor diz.
- Meu filho, não leve em conta o que estes golpistas dizem, estão todos unidos para punir injustamente meus companheiros, só porque eles tem grande popularidade e existem muitos poderosos querendo culpá-los. Eles estão sendo acusados injustamente. Eu farei de tudo para evitar que isso aconteça.
- Mas pai, eles já não foram condenados?
- Sim, mas ainda existem recursos a serem julgados. Ainda podemos virar o jogo.
- Pai, me falaram que esse caso já tem muitos anos e depois deste tempo todo ainda tem mais julgamento para ocorrer?
- Tem sim, ainda bem, né filho? Assim dá para tentar impedir essa injustiça.
O guri ficou pensando um pouco e disparou:
- Pai, mas porque só você acredita neles, é porque são seus amigos?
O pai coça a cabeça, lembra do herói que representa ao seu filho e diz severo:
- Não, o papai jamais faria isso! Podem ser meus amigos, mas estou sendo imparcial meu filho, é que ninguém acredita e mim e nos advogados deles.
- Pai, mais uma coisa, o senhor acredita nestes seus amigos, porque parece que nem os eleitores deles parecem acreditar. Eu gostaria muito que o senhor estivesse do lado da verdade pois quero mostrar aos meus amigos que meu pai não é um vendido como eles falam. Eu queria muito saber que vou poder confiar no senhor pelo resto da minha vida. Queria muito que parassem de caçoar de mim, pois parece que estão todos contra o que o senhor diz, inclusive vejo como os professores me olham diferente.
O pai sentindo uma imensa culpa pela situação do filho, chegou a questionar se deveria levar adiante seu papel solitário de defensor dos seus companheiros. Sentia um aperto no peito, pois sabia que dali pra frente sua decisão mudaria os rumos de suas vidas. Pensou muito sobre o que faria a partir daquela conversa.
- Filho, o papai só quer que a justiça seja feita. Depois nos falamos sobre isso.
Resolveu adiar um veredicto que poderia lhe custar a confiança do filho. Teria tempo de mostrar o quanto seus amigos estavam sendo injuriados, caluniados pela elite insatisfeita com os sindicalistas que estavam no poder.
O tempo passou, e o guri já atento a tudo e com a esperança de ver que seu pai tinha razão, assistia mais e mais escândalos envolverem aquela turma toda, especialmente um que era bem importante e poderoso, e assim ficava cada vez mais decepcionado com a situação. Preferia acreditar que estavam todos errados, seus amigos da escola e toda aquela gente indignada que acusava a turma daquele amigo barbudo do papai. No fundo, aquilo tudo estava destruindo todos seus conceitos infantis e o ajudando a amadurecer, poderia sair disto mais forte do que entrara.
- Pai, porque tanta coisa aparece no noticiario falando sobre corrupção envolvendo essa sua turma de amigos, desse julgamento que nunca acaba? Eles continuam sendo acusados injustamente?
- Sim filho- dizia já sem muita convicção na voz.
- Porque seus colegas do tribunal não concordam com o senhor?
- Não sabem ver as coisas como o papai pode ver- e isso soava estranho até para o próprio pai.
- Então esse país que a gente mora só tem gente ruim, que acusam outras pessoas de coisas que elas não fazem, não é pai?
- Sim, é sim.
- Mas então como vou poder ter amigos se todos são ruins? Pai, e você também vai ter que trabalhar com tanta gente ruim ao seu lado? Só os seus amigos são bons?
Chegaram na mesma encruzilhada de antes e não havia mais como adiar a escolha. Ela tinha que ser feita. Ser magistrado era fácil, difícil era explicar as escolhas pessoais. Manter a integridade e a isenção que exigia o cargo- e a pose de herói- tendo que manter o comprometimento com seus companheiros, era o grande desafio. Isso exigia um enredo rocambolesco que somente faria a cabeça do guri sair fora do eixo.
O pai sabia que não conseguiria explicar toda a verdade envolvida ao filho ainda inocente. Sabia que era cedo ainda para fazê-lo entender todas as encruzilhadas que uma vida tem quando se sai fora do eixo. Do eixo moral, ético, íntegro, isento, do eixo 'burguês' que ele mesmo fazia questão de viver, com uma conta bancária gorda, mordomias e luxos aos quais ele pai, e todos os seus companheiros fazem questão de viver a cada dia. Como explicar ao filho que enquanto eles acreditam que tudo isso pode ser feito em nome de uma causa, aos demais cidadãos excluídos do poder, não vale o mesmo raciocínio? Como explicar que seus companheiros pregam uma igualdade que não existe, e nunca vai existir, pois eles mesmos são diferentes em seus privilégios? E sobre seu trabalho, como explicar que suas preferencias pessoais estão de acordo com a ideologia de seus companheiros exatamente num ambiente em que isto não deveria ocorrer, pois coloca em risco um dos pilares da democracia? Também seria complicado explicar como um condenado pode continuar exercendo seu poder político.
Resolveu então:
- Filho, o papai não tem como explicar quem é bom ou quem é mau neste momento. Vamos esperar o julgamentos dos embargos e assim podemos saber o que vai acontecer com os meus companheiros.
- Mas papai, você já me pediu para esperar antes... E o que vi sobre eles neste tempo não foi bom.
- É um mundo complicado filho... Você um dia vai entender...
Sabedor do mundo fétido em que estava envolvido, preferiu manter o guri alheio a verdade e sempre jogaria com o tempo a seu favor, a fim de que este o ajudasse a diminuir o ímpeto curioso que poderia comprometer suas relações.
E assim renunciava a sua missão de pai, a fim de que na escola, devidamente aparelhada pela ideologia, lhe fizessem o grande favor de manter o guri dentro do eixo companheiro.

Essa é uma obra de ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência!




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