quarta-feira, 19 de março de 2014

Levanta-te e anda! Ou quer que lhe carregue no colo?

Eu ainda tenho na memória um conto onde uma pessoa caminhava na praia e observava dois pares de pegadas na areia pela maior parte do trajeto, porém vislumbrava apenas um par em alguns trechos difíceis. Sabia que Deus o acompanhava por toda sua vida, mas estava intrigado com a ausência do outro par de pegadas bem na hora de sua necessidade... Neste momento de questionamento recebia a seguinte resposta: -Porque vês apenas um par de pegadas pensas que te desamparei? Quando um par de pegadas apenas viste, este era o momento em que eu no colo te carregava porque te amo.

Bonito isso, não? Uma poesia! Seria idílica se não contivesse tamanho equívoco de caráter moral e educacional.
Eu tenho o palpite de que Deus jamais concordaria com esse conto. Vejamos sob uma breve análise de diversas passagens bíblicas onde escutamos o Cristo ordenar aos suplicantes por seus milagres que fizessem sua parte: "levanta-te". Podemos ver em LC 6,6-11, LC 7,11-17, LC 17,11-19 e MC 10,46-52, para citar algumas. Cristo também pedia que todos carregassem sua cruz para o seguirem, ou, enfrenta teus problemas e tua vida para poder me seguir. Claramente pedia para que andassem com suas próprias pernas.
Isso sim é amor Divino. Isso sim é lição para os educadores, pais e mestres.
Mas não devo me aprofundar numa seara educacional sem o devido preparo. Contudo posso opinar quanto ao comportamento social que essa clara discrepância de valores, entre o conto das pegadas na areia, e os ensinamentos do Mestre dos Mestres em sua jornada terrena.
Quem sente o cheiro de falsos profetas no ar, está certo! Eles adoram propagar tudo o que a emoção pode estragar. A emoção embota a visão, infantiliza nosso pensamento. Seria preciso começar separando sentimentos inferiores (emoções fortes, paixão, raiva, etc) dos sentimentos superiores (amor, felicidade, etc). Muita estupidez foi cometida em nome da paixão. Muito sangue foi derramado pelo ódio. Muitas guerras foram travadas em nome de uma fé fervorosa e manipuladora. Por isso devemos cuidar para não sermos manipulados por nossas emoções, muito menos por nossas crenças arraigadas, mas baseadas em equívocos. 
Vejam que sabedoria é falar pouco e ensinar muito. Cristo pregava nas entrelinhas, e até hoje vemos homens vis interpretando de forma primária os ensinamentos contidos em suas pregações, por interesse em manter o mistério da palavra, ou melhor, enganar os ingênuos.
Quando lemos o conto das pegadas, ficamos emocionados com a bondade Divina de nos carregar no colo, afinal temos o romantismo do amor infantil flutuando ao redor. Sensação de estarmos protegidos e amparados para superarmos todos os obstáculos. Seremos salvos por uma mão amiga, uma mãe protetora, e demais figuras salvadoras que orbitam entre a terra e o céu. Ledo engano. Isso nos conforta até a próxima queda. E assim viveremos uma montanha russa emocional. A salvação e a desgraça andam lado a lado. Sabedores de que não é possível evitar todas as quedas, como faremos para que nossos filhos, ou nossas crianças, possam se virar quando não estamos por perto? Como ensinar a eles o ditado de sacudir a poeira e dar a volta por cima de forma efetiva e não apenas retórica?
Amar é preparar para a vida, e a vida é repleta de desafios. Amar é ensinar a lidar com o medo, a angustia, a dor, a perda, ensinar a astucia e alertar para a ingenuidade que nos coloca na boca do predador. Amar não é nos proteger de tudo isso, é sim nos deixar experimentar a vida de forma consciente através da orientação, do incentivo, da palavra, do gesto, de um abraço antes e depois. Observar o momento e deixar alguns erros serem cometidos quando puderem ser, de forma que alguns riscos deverão ser tolerados a fim de evitar um desastre irreversível mas permitir um acidente tolerável. Isso não seria um incentivo ao risco à própria vida e integridade, mas um joelho ralado faz bem para ensinar sobre a fragilidade do corpo humano. Uma briga com um amigo(a) pode mostrar o alcance da violência entre as pessoas. A mágoa pode ser superada, a tristeza é passageira e a alegria também.
Educar é pensar no futuro, quando os filhos, as crianças, não forem mais crianças, e sim jovens adultos e adultos que irão competir por trabalho, por sua renda, por sua realização e seu sucesso. Muitos formarão famílias e se tornarão pais e novos educadores. Muitas de suas decisões e escolhas, bem como suas atitudes cotidianas serão feitas de forma independente, estarão sozinhos para refletir, ou mesmo intuir, qual caminho trilhar. Nesses momentos, não devem se sentir solitários, mas em solitude. Solitude é uma palavra pobremente definida. Vou me arriscar a ampliar seu sentido. Solitude é o isolamento opcional do ser consciente. Solitude é estar sozinho sem estar só. Ter capacidade de agir por conta própria, ter fé em si mesmo. Mas isso não é necessariamente a definição de uma vida solitária, é apenas poder ser capaz de levantar e sacudir a poeira sem precisar que o façam por você.
Educar poderia ser entendido como preparar a pessoa para sua solitude. 
Mas tudo isso tem qual relação com a ebulição social presente? Porque a educação se torna relevante para uma análise social, que é a proposta deste Blog?
Podemos começar por algo muito importante em discussão, o incentivo à meritocracia em contrapartida ao assistencialismo e intervencionismo do Estado. Não me estenderei em definições entre direita e esquerda, pois nos levaria a outro debate, mas é clara a opção assistencialista em toda forma de política populista, seja de qual matiz for. Também é muito claro que os populistas utilizam o Estado de forma privada, ou seja, confundem o papel do Estado com política partidária e foi assim que criaram o assistencialismo bolsista atual, de forma a garantir seus interesses privados (partido do governo e seus aliados), através de um programa eleitoreiro. Dando o peixe sem se preocupar efetivamente em como ensinar a pescar, ou pelo menos dar a vara ao invés da pesca, denota um falso compromisso com a erradicação da pobreza. Aliviar a miséria é louvável, contudo manter mesma somente com esse alívio não é louvável. Isso funciona somente porque o povo aceita isso como padrão. E aceita como padrão porque tem em sua cultura o sentimento de abandono, de solidão impotente, que a ignorância carrega em suas mentes. Sabendo disso, os espertos populistas ocupam essas mentes solitárias com promessas de redenção contra seus opressores, os ricos, que ocupam o sujeito da causa, e a própria pobreza, que ocupa uma situação transitória, até que seus redentores lhes salvem dessa situação. Percebam que existem "solitários" mesmo entre pessoas que tiveram  acesso a educação em níveis médios e superiores. E esses apoiam a causa populista tanto quanto os iletrados e subletrados. Assim, é preciso mais do que justificar essa "solidão" apenas através da ignorância. É necessário entender que nossa educação, seja ela familiar, seja ela escolar, contém ingredientes culturais equivocados.
Mas porque os chamo de solitários? Porque receberam uma educação baseada no conto das pegadas na areia. Porque lhes disseram que a culpa de suas angustias está nos outros. Porque lhes subtraíram a condição de levantarem e andarem por suas próprias pernas. Se sentem abandonadas a própria sorte por acreditarem num Deus que as salvará a qualquer momento e não no Deus que ajuda quem se ajuda. Mesmo quem nunca frequentou uma escola, foi educado assim. E esse é o grande pecado, o grande equivoco do pensamento cristão, manter a crença num Deus misericordioso a ponto de andar nos carregando no colo evitando assim nosso sofrimento. Ora, mas a vida é repleta de sofrimento, então que Deus é esse que nos abandona a própria sorte? Perde-se a fé, esvazia-se o coração e assim o diabo, materialista, vem ocupar o lugar vazio e fazer seu papel de peneirador das almas.
A devida formação de nossas crianças deve ser baseada no oposto a essa crença de ser salvo por um colo reconfortante. Evita que elas depositem suas vidas em mãos erradas. Evita que acreditem em modelos populistas e paternalistas, tanto na esfera político-social, como na esfera pessoal. Salvariam as mesmas desta solidão ao perceberem que foram enganadas, manipuladas e descartadas por não terem aprendido a astúcia ao invés da ingenuidade. Quantos malandros passam por nossas vidas pessoais e política? Quantos nos levam embora sonhos, dinheiro e esperanças manipulando nossas emoções? Porque então não nos ensinam a lidar com nossas emoções? Porque não nos ensinam a astúcia para evitar a ingenuidade?
Se ensinarmos nossos filhos, nossas crianças a se levantarem para caminharem por conta própria, teríamos pessoas mais conscientes e preparadas para escolherem seus destinos. Percebam que separo um pouco o presente do futuro. Criança pode ter colo, ter amparo, ter todo o carinho que lhe seja destinado. Não se trata de cortar essa relação afetiva dos pais, adultos e educadores. Espero que os especialistas construam uma forma progressiva de alternar o afeto com o incentivo da atitude de agir pelo levante-te e anda! Assim seria uma transição do colo para o andar por suas próprias pernas. Aposto que teremos maior chance de prepararmos mais e mais jovens para atingirem sua solitude, e não sua solidão.
Para se educar de forma consciente é preciso entender de forma completa como ler as entrelinhas dos ensinamentos de Cristo. Perdoem-me os ateus, mas o são, porque foram enganados e perceberam isso, mas não se propuseram a estudar a fim de encontrar respostas.
Cristo nos ensina em poucas palavras como educarmos nossos filhos e filhas para a vida. Ele fala muito mais do que nos contam. Ele ensinou muito mais do que nos ensinam. É só ter olhos para ver e ouvidos para ouvir.
Mesmo quem deseja separar religião de educação de forma laica, é preciso estar atento ao fato de que Jesus era um grande humanista e que sua pregação se afastou da religião cristã por culpa do próprio homem. Usar o melhor de sua pregação, ou filosofia, seria uma forma de temperar melhor nossa forma de educar.
Assim percebo que a luta contra o Gramscismo cultural pode ser combatida pelos ensinamentos de Cristo. Seria uma forma de contrapor uma ideologia Divina a uma ideologia humana. Assim, de uma pequena palavra, levante-te, nos ensinou a caminhar sozinhos e valorizar o esforço próprio. Nos deu uma lição de meritocracia. Entre o homem e Deus, fico com Deus.

Fiquem com Ele!







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